Você já percebeu como, de repente, parece que todo mundo tem um projeto de inteligência artificial para chamar de seu? Basta abrir o LinkedIn para encontrar anúncios de empresas celebrando a implantação de chatbots, relatórios “inteligentes” ou análises automatizadas. O discurso é de transformação, mas a prática muitas vezes revela apenas uma corrida para mostrar modernidade. A questão é que correr não significa chegar mais longe e, quando o assunto é IA, a pressa pode até criar armadilhas estratégicas.
Segundo o Gartner, até 2026 mais de 80% das empresas terão adotado algum tipo de aplicação habilitada por IA. O dado mostra o ritmo acelerado da adoção, mas também traz uma provocação. Se a maioria das organizações estará no mesmo barco, onde estará a verdadeira vantagem competitiva? Ela não estará em simplesmente usar a tecnologia, mas em como ela será usada. Em outras palavras, não basta ter IA, é preciso transformar Inteligência Artificial em estratégia de longo prazo.
O risco do imediatismo
A busca por resultados rápidos tem levado muitas empresas a tratar IA como ferramenta de oportunidade e não como elemento estruturante. Criam-se pilotos isolados em áreas específicas, marketing, atendimento, supply chain, que até podem gerar ganhos de eficiência pontuais, mas dificilmente constroem diferenciais duradouros. A consequência é um mosaico de iniciativas desconectadas, com pouca escalabilidade e alto risco de desperdício.
O imediatismo também abre espaço para erros graves. Modelos aplicados sem cuidado podem reproduzir vieses sociais, comprometer a privacidade de dados ou criar dependência de fornecedores sem critérios claros de governança. Em um cenário em que consumidores estão cada vez mais atentos a valores éticos e à transparência, adotar IA de forma oportunista pode corroer reputações com a mesma velocidade com que gera manchetes.
O líder que se deixa seduzir apenas pelo “case rápido” corre o risco de transformar inovação em problema. É preciso lembrar: a IA não é uma moda passageira, mas uma plataforma que está reconfigurando cadeias produtivas, modelos de negócio e até mesmo relações de trabalho. Plataformas não se tratam com improviso, exigem visão, consistência e preparo. Aqui está um ponto central. liderar com IA não significa acumular projetos tecnológicos, mas redesenhar a organização. É uma mudança de paradigma. Não se trata apenas de adotar uma ferramenta, mas de redefinir como dados, processos, pessoas e cultura se articulam para sustentar a competitividade em um mercado que será, cada vez mais, mediado por sistemas inteligentes.
O caminho estratégico envolve três movimentos que não podem ser ignorados. O primeiro é a educação da liderança. Não dá para terceirizar decisões críticas para fornecedores ou especialistas sem compreender os limites e potencialidades da IA. Líderes precisam estar preparados para questionar, interpretar e orientar escolhas tecnológicas.
O segundo movimento é a integração transversal. Quando cada área implementa soluções de forma independente, o valor se fragmenta. A IA precisa ser pensada como parte da espinha dorsal, criando conexões entre departamentos, dados e objetivos de negócio. O terceiro movimento é a governança responsável. Inovação sem ética é risco, e empresas que não criarem frameworks claros de transparência, responsabilidade e impacto social estarão sempre vulneráveis a crises de confiança.
Ao reposicionar a IA de iniciativa oportunista para ativo estratégico, o líder começa a enxergar oportunidades que vão além da eficiência operacional. Estamos falando de repensar modelos de negócio, explorar novos mercados e até mesmo construir ecossistemas de inovação que ultrapassam os limites da própria empresa. É por isso que grandes organizações já estão criando funções executivas dedicadas à IA, como o Chief AI Officer (CAIO), um sinal claro de que a tecnologia deixou de ser projeto experimental para se tornar parte da agenda de longo prazo.
No fim, a pergunta que todo líder precisa responder é simples e desafiadora ao mesmo tempo: a sua empresa está usando IA para mostrar movimento rápido ou para desenhar a estratégia que vai sustentá-la na próxima década? A resposta a essa pergunta é o que separará aqueles que ficarão reféns do hype daqueles que realmente vão liderar o próximo ciclo de vantagem competitiva.
*Por Alessandra Montini, Diretora da FIA Labdata.