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Afinal, existe livre-arbítrio em um mundo dominado por previsões algorítmicas?

*Por Alessandra Montini

Imagine a seguinte cena: você abre o celular, e lá está ele, o algoritmo, prevendo com precisão quase assustadora o que você quer assistir, o que deseja comprar e até qual notícia vai te deixar mais engajado. Parece mágica, mas é matemática. E surge a pergunta inevitável: ainda somos donos de nossas escolhas ou estamos apenas cumprindo um roteiro invisível escrito pelos algoritmos?

Por um lado, temos mais opções do que nunca. A internet nos deu acesso a um universo de conteúdos, produtos e informações. Mas, ironicamente, essa abundância de opções não significa mais liberdade. Na prática, nossas decisões são filtradas por mecanismos que aprendem com cada clique, curtida e tempo de tela. O resultado? Um feed personalizado que não apenas prevê, mas influencia nossas ações.

Estudos indicam que os algoritmos podem reforçar vieses existentes, levando a um aumento da exclusão na sociedade. Além disso, pesquisas mostram que os usuários tendem a adaptar seu comportamento para influenciar as recomendações que recebem, criando um ciclo de retroalimentação entre comportamento e algoritmo.

Será que escolhemos ou somos conduzidos? Você realmente quis assistir aquela série recomendada ou foi apenas convencido de que queria? Se um sistema acerta 90% do que você gosta, o que sobra para o seu livre-arbítrio?

Algoritmos: vilões ou facilitadores?

A grande questão é que os algoritmos não são intrinsecamente bons ou maus – são ferramentas. O problema surge quando acreditamos que estamos no controle total, enquanto, na verdade, somos guiados por um modelo preditivo. Nossa percepção de autonomia pode ser uma ilusão confortável.

Isso significa que estamos fadados a seguir previsões? Não necessariamente. A diferença entre ser manipulado e usar os algoritmos a seu favor está na consciência. Se sabemos que o sistema tende a reforçar nossas bolhas de pensamento e gostos, podemos deliberadamente buscar o inesperado: seguir perfis que não têm a ver conosco, clicar em conteúdos fora da nossa zona de conforto, escolher conscientemente o que consumimos.

Mas há um problema: a economia da atenção. As grandes plataformas disputam segundos da nossa vida com recomendações cada vez mais certeiras, baseadas não só no que gostamos, mas no que nos prende. Estudos apontam que conteúdos polarizados, sensacionalistas ou que despertam emoções fortes têm mais chances de serem recomendados – e consumidos. O que isso faz com nossa percepção de mundo? Estamos sendo expostos a uma realidade ampla ou a uma versão altamente editada, criada para maximizar nosso engajamento?

Hackeando o sistema

Se os algoritmos nos conhecem tão bem, talvez a resposta seja conhecê-los melhor. Ajustar configurações, questionar recomendações, variar fontes de informação são pequenos atos de rebeldia contra a previsibilidade. Mais do que nunca, o livre-arbítrio não é sobre ter escolhas, mas sobre a forma como lidamos com elas.

Há, ainda, um elemento humano nessa equação. Podemos treinar nossa mente para escapar da lógica dos algoritmos? Algumas práticas podem ajudar: a leitura crítica de informações, o hábito de buscar diferentes perspectivas e a decisão consciente de não deixar que um software dite todas as nossas preferências. Pequenos gestos como escolher um livro ao acaso na livraria, ouvir uma música desconhecida sem recomendações ou até mesmo desconectar-se por um tempo podem ajudar a retomar um pouco do controle.

Talvez o livre-arbítrio não seja uma questão de escapar completamente da influência algorítmica – isso seria quase impossível no mundo atual. Mas podemos, sim, desenvolver uma relação mais equilibrada com a tecnologia, onde somos nós que decidimos quando seguir ou contrariar as previsões que nos são oferecidas.

Então, da próxima vez que uma playlist sugerida parecer ler sua mente, pergunte-se: foi você quem escolheu ou foi escolhido? E, mais importante, isso faz alguma diferença para você?

*Alessandra Montini é diretora do Labdata, da FIA

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